Lot fala com o anjo
Se a teus olhos alcancei a graça da vida
e como que de novo vou nascer
não me exijas que fuja para os montes
Eu nada sei dos montes nem dos campos
dos próprios campos onde nasci
nem mesmo já me lembro como se semeia
nem conheço nenhuma das mulheres que ceifam
nem reconheço aquelas que mondam as courelas
– e o poeta diz que são duzentas nada menos –
Se é teu desejo que me salve não me mandes para os montes
Gosto da solidão e é entre as pessoas que me posso sentir só
Conheço uma cidade é uma cidade pequena
tem um plátano grande que pode dar-me sombra
e anunciar-me a sucessão das estações
Tem água tem crianças raparigas sempre jovens
talvez eu lá aprenda finalmente a ser feliz
por exemplo fazendo amanhã o que podia fazer hoje
É uma cidade pequena todas as cidades são pequenas
basta uma cidade ser uma cidade para ser pequena
E se quiseres saber onde fica
posso dizer-te que esteja eu onde estiver
segor é a cidade em frente
Lot Speaks to the Angel
If in your eyes I have reached the grace of life
and as if anew I will be born again
don’t demand I flee to the mountains
I know nothing about the mountains or the fields
the very fields where I was born
I don’t remember even how to sow
nor do I know any of the women who reap
nor do I recognize those who weed their plots of land
–and the poet says they are two hundred nothing less–
If it’s your desire to save me don’t send me to the mountains
I like solitude and it’s among people that I can feel alone
I know a city a small city
there is a big plane tree that can give me shade
and proclaim to me the passing of the seasons
There’s water there are children girls who are always young
maybe there I’ll finally learn happiness
for example doing tomorrow what I could have done today
It’s a small city all cities are small
all a city has to be is a city to be a small one
And if you want to know where it is
I can tell you that wherever I may be
segor is the city that lies before me
Folhas Novas
Fins de fevereiro. Saí para ti esparar. Vi folhas novas num arbusto da alameda—isso mesmo, aquele que dá os copos, que à noite cheiram alto— e senti-me rejuvenescido. Voltei para casa e até me esqueci de ver o correio.
Fresh Leaves
End of February. I went outside to wait for you. I saw fresh leaves on a bush on the avenue—yes, that one that blossoms bells, that at night gives off a lofty smell—and I felt young again. I went back inside and even quite forgot to check the mail.
Através da chuva e da névoa
Chovia e vi-te entrar no mar
longe de aqui há muito tempo já
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Mais tarde olhei-te e nem te conhecia
Agora aqui relembro e pergunto:
Qual é a realidade de tudo isto?
Afinal onde é que as coises continuam
e como continuam, se é que continuam?
Apenas deixarei atrás de mim tubos de comprimidos
a casa povoada o nome no registo
Uma menção no livro das primeiras letras?
Chovia e vi-te entrar no mar
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar e teu amor
Que importa que algures continues?
Tudo morreu: tu eu esse tempo esse lugar
Que posso eu fazer por tudo isso agora?
Talvez dizer apenas
chovia e vi-te entrar no mar
E aceitar a irremediável morte para tudo e todos
Through Rain and Fog
It was raining and I watched you enter the sea
far from here and long ago
oh my love your gaze
my gaze your love
Later I looked at you and didn’t even know who you were
Now, here, I remember and I ask:
What is the reality in all of this?
In the end where is it that things go on
and how do they go on if they do go on?
Will I only leave behind bottles of pills
a lived-in house my name in the town registry
a remark in my first schoolbook?
It was raining and I watched you enter the sea
oh my love your gaze
my gaze your love
What difference does it make if somewhere else you go on?
Everything died: you I that time that place
What can I do now about it all?
Maybe merely say
it was raining and I watched you enter the sea
And I accept irremediable death for everything and everyone
Um dia não muito longe não muito perto
Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito longe não muito perto
um dia muito normal um dia quotidiano
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
quere tu ver que hei-de estar morto?
One Day Not Too Far Off and Not Too Soon
Sometimes you know I feel fed-up
since all of this is always the same
One day not too far off and not too soon
A normal day an ordinary day
One day it isn’t that I’ll be looking very stiff
you will enter the room and you will call for me
and I can tell you now that I am sorry not to answer
and not emerge from my air of vague absorption
I will make an effort it seems there’s nothing else to do
you will say that I seem dead
how silly you will say there’s been an outbreak
you don’t know of what not too close by
and I with nothing to tell you
a bit fed up not very stiff just vaguely absorbed
not very close to that outbreak
can you imagine me being dead?
Ruy Belo, who died in 1978, published eleven collections of poetry, four collections of critical writings, and numerous translations of writers such as Jorge Luis Borges, Blaise Cendrars, Garcia Lorca, and Saint-Exupery. His work has appeared in over thirty anthologies in Portugal, as well as in collections published in France, Spain, Italy, Serbia, Germany, Sweden, Latvia, Bulgaria, Holland, Mexico, and, of course, Brazil. Some of my recent translations of his work have appeared in or are about to appear in American Poetry Review, Catamaran, Delos, International Poetry Review, Metamorphoses, New Letters, Osiris, Per Contra, Plume, Rosebud, and Saranac Review.
Alexis Levitin has published forty-seven books in translation, mostly poetry from Portugal, Brazil, and Ecuador. In addition to five books by Salgado Maranhão, his work includes Clarice Lispector’s Soulstorm, Eugénio de Andrade’s Forbidden Words (both from New Directions), and Astrid Cabral’s Cage. He has served as a Fulbright Lecturer at the Universities of Oporto and Coimbra, Portugal, The Catholic University in Guayaquil, Ecuador, and the Federal University of Santa Catarina, in Brazil and has held translation residencies at the Banff Center, Canada, The European Translators Collegium in Straelen, Germany (twice), and the Rockefeller Foundation Study Center in Bellagio, Italy.